Havia pouco
tempo que fazia aquele caminho. Casa nova, trabalho novo e novas caras. Era
meio metódico e por isso, mesmo ainda cursando sua terceira década de vida,
pegava de segunda a sexta a mesma condução, à mesma hora, no mesmo ponto e até
já conhecia uns outros certinhos.
Mas os
sistemáticos também amam e embora seus olhos estivessem sempre as voltas com uma
leitura, quando necessário não descuidava a vista do “modus masculus”.
Eis que nesse
dia subiu em seu ônibus, uma menina dos seus 50 e poucos e foi sentar-se, por
certo pela falta de opção, em sua diagonal. Suas curvas ainda eram sinuosas e
insinuantes, seu perfume não invadia mas também não negava presença. As leves
marcas no canto dos olhos, mostrava apenas os sinais de uma vida, nada de sério,
mas o que matava mesmo era o coque meio que relaxado, um misto de sisuda e
brincalhona que, denunciando sua forte vaidade, escorria pelo lado de sua face.
O que era dúvida e incerteza há uns trinta anos, trazia agora no olhar a
confiança e a maturidade, que lhe emprestava uma sensualidade singular.
Impossível não
reparar que suas pernas ainda faziam muita ginástica. Quando entrou, um rápido
olhar diagnóstico confirmou que estava tudo em seu quadrado.
Se fez parecer muito
séria e incomodada com o atrevimento próprio da juventude onde já estivera em
um tempo que lhe parecia próximo, embora as marcas dissessem que não.
Quando algumas
quadras depois sobe na condução uma jovem universitária, calça justa, decote dadivoso,
sorriso solto, veloz e com grande mobilidade, além de uma certeza da verdade
que só tem quem a desconhece por completo, o que era para ser sisudez tornou-se
um incômodo e preocupação, as pernas cruzadas se descruzaram para cruzar de
novo, pois o olhar do jovem pertencia agora a nova passageira.
Mas só uma sensível
alma de don Juan, perceberia o que se passava. Abriu mão então da visão daquela
potranca de trote rápido e corrida ligeira para fixar-se de novo na dama, que
agora se mostrava um puro sangue marchador de
looongas distâncias.
Até o fim da
viagem manteve-se discreto e fiel em seus olhares e a marchadora aliviada e
feliz, reclusa e firme em seu papel nessa peça. Puderam em seus devaneios voar
livres na imaginação e um aceitava em estado de graça as carícias que o outro
lhe ofertava no templo dos sonhos.
Finalmente chegando
a dama ao seu destino, obrigou-se o jovem a se levantar oferecendo espaço e a
sua passagem pode ouvir em sussurro:
- obrigada!
E murmurou de volta:
- Quem agradece
sou eu.
É a cara do vovô!!! Caramba, até consegui ouvir a voz dele lendo para mim...
ResponderExcluirÓtima!
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